As técnicas de defesa pessoal do Kenpo geralmente são executadas de maneira diferente em cada escola. O que é certo, porque as técnicas de defesa pessoal não devem ser feitas apenas de maneira diferente entre a maioria das escolas, elas devem ser feitas de forma diferente entre a maioria das pessoas.
Conheço alguns instrutores que insistirão para que seus alunos executem as técnicas exatamente como eles fazem, mas eventualmente todos alcançarão um ponto em que executarão as técnicas da maneira que melhor compreenderem. Este é o momento onde os instrutores que dizem “é do meu jeito” terão de dizer adeus aos seus alunos, conforme eles pegam a estrada para a auto-expressão.
O argumento para a auto-expressão, no Kenpo, no fim das contas não é um argumento. Há muitas citações do Sr. Parker para confirmar isso. Veja esta de um artigo na revista Black Belt de agosto de 1979, intitulado The Special Techniques of Kenpo (As Técnicas Especiais do Kenpo), por Ed Parker:
“A razão pela qual eu dou nome as minhas técnicas é porque existem certas sequências associadas a esses termos. Se eu dissesse a um aluno: amanhã que eu irei ensinar uma defesa contra um empurrão com as duas mãos – não é tão significativo quanto quando digo: Vou ensinar “Asas Divididas” (Parting Wings). Basicamente nada é explicado, mas soa intrigante. Há um pouco de mística e o aluno ficará ansioso para aprender o que é isso. E embora cada termo que eu use tenha uma sequência particular que eu quero os alunos sigam, estas são ideias e não regras. A qualquer momento, eles podem alterar essas ideias.“
Outra citação, desta vez da revista Karate Kung-Fu, V-17 No. 9, publicada em setembro de 1986 e intitulada Ed Parkers Kenpo Karate: Discovered in America, Parte 1:
“Não existe uma maneira correta de todo mundo fazer um certo movimento de artes marciais. Quatro mais quatro é igual a quê? Oito. Agora, quanto é seis mais dois? Certo, oito novamente. E cinco mais três? Sete mais um? Agora, usei a mesma combinação numérica para obter oito? Não. É o mesmo no Kenpo. Cada Kenpoista pode chegar ao mesmo resultado de forma um pouco diferente, dependendo do estilo dele ou dela“.
Outro exemplo vindo da revista Black Belt de novembro de 1985, V-23 No. 11, intitulada Ed Parker, Bruce Lee, Elvis Presley and. . . Ed Parker:
“Eu ensino essas técnicas não para ensinar as técnicas, mas para os princípios envolvidos nas técnicas. E mesmo assim, esses princípios precisam ser alterados para se adequarem ao indivíduo. Meu sistema está estruturado para aflorar um “estilo” de um indivíduo ”.
Outro argumento para a auto-expressão em relação às técnicas é o Conceito Trifásico, definido como o conceito de que nenhuma técnica é um padrão ou regra definida em si, mas sim composta pela Fase Ideal, pela Fase “E Se” e pela Fase de Formulação.
Note que o Sr. Parker diz que o Conceito Trifásico se refere especificamente a técnicas. Eu nunca ouvi, ou li, onde o Sr. Parker, ou qualquer outra pessoa, diz para estudar Formas de acordo com a Fase “E Se”, ou a Fase de Formulação. Tanto quanto sei, as Formas sempre foram ensinadas, praticadas e executadas de acordo com a Fase Ideal.
Então, o que o Sr. Parker tem a dizer sobre as Formas do Kenpo? Para ver como ele se sentia sobre as Formas, vou citar outra declaração, feita pelo Sr. Parker em uma entrevista para a Karate Illustrated em setembro de 1976. O artigo intitula-se: Going Through Them Changes:
“Embora seja verdade que devemos adaptar a arte marcial para que ela nos sirva individualmente – e aprendemos a nos expressar livremente e nos adaptarmos as situações conforme elas ocorrem – uma base sólida ainda é necessária para aprendermos. Ao aprender inglês, o alfabeto é a base da nossa língua. Então, palavras são criadas, fonética adicionada e verbos, substantivos, pronúncia, juntamente com definições. Kata é o alfabeto em movimento. Se você aprender a pronunciar uma palavra e nunca souber o que a palavra significa, como você poderia usá-la corretamente em uma frase? ”
Alguns anos depois, em outro artigo para Black Belt, de julho de 1979, intitulado The Magician of Motion Reveals Secretes of His Art, o Sr. Parker afirma:
“Quando aprendemos inglês, o alfabeto forma a base da nossa língua. A partir dele palavras são criadas, fonética acrescentada, pronúncia, juntamente com definições para dar significado às palavras“. Eu sinto que ao longo dos anos muitos alunos estão passando pelos seus katas, mas eles não sabem para que eles servem.
É por isso que considero as Formas como o Fator Unificador no Kenpo. Como qualquer outro sistema de karate, nossas formas são a única coisa que mantêm nosso sistema unido. Uma vez que as formas mudam para um certo ponto, o mesmo acontece com o sistema. Pegue o Tae Kwon Do e o Tang So Do, por exemplo. Por mais semelhantes que esses dois sistemas sejam, são principalmente as diferenças em suas formas que diferenciam um sistema do outro.
Então, se o Sr. Parker estava vendo um declínio em como as formas do Kenpo estavam sendo executadas há quarenta anos, o que podemos fazer hoje? Primeiro: Parar de confiar em nossos professores para nos ensinar as formas EM SUA TOTALIDADE.
Muitos de nós tendem a pensar em nossos professores como os melhores, mais inteligentes e mais durões praticantes de artes marciais do planeta. Isso pode muito bem ser verdade, porém por mais incríveis que eles sejam, não são infalíveis. Se um professor foi ensinado ou aprendeu algo da maneira errada, então ele transmitirá essa informação incorreta para seus alunos. O fato de fazermos o que nos é ordenado não significa que nós estamos fazendo isso da maneira certa.
Um exemplo de algo que muitas vezes vejo sendo feito incorretamente são as manobras dos pé na Forma Curta 1. Ao ver isso, pergunto aos professores se quando estão ensinando uma passada reversa (step through reverse), eles dizem aos alunos para moverem um pouco o pé traseiro para a frente “antes” de recuar. Eles dizem que não. Pergunto se eles dizem aos alunos que levantem o calcanhar do pé de trás do chão antes de recuarem. Eles dizem que não. Eu pergunto quando eles estão ensinando um aluno a cobrir (cover), se dizem aos alunos para primeiro girar o pé traseiro como um movimento separado e depois avançar com o pé da frente quando eles se viram para a direção oposta. Eles dizem que não. Então eu pergunto por que eles e seus alunos fazem isso na Forma Curta 1? Para isso, recebo reações variadas, mas principalmente apenas um olhar feio.
A Enciclopédia do Kenpo de Ed Parker descreve uma Passada Percorrendo (Step Through) como a execução de passos completos, movendo-se para frente ou para trás. Ele descreve Cobrir (Cover) como o deslocamento da perna da frente para o lado oposto, enquanto você rotaciona e fica de frente para a direção oposta. A Enciclopédia do Kenpo também diz que a palavra “E” implica uma ou mais batidas perdidas de tempo. No Kenpo, tentamos eliminar o uso da palavra “e”, porque envolve tempo perdido e portanto é contraditório ao princípio da Economia de Movimento.
Quando a maioria das pessoas pensa no termo Economia do Movimento, elas tendem a pensar nisso ofensivamente. Em outras palavras, eles pensam em não alojar na cintura um soco ou preparar um chute antes de executá-lo. O que é compreensível, porque a definição de Economia de Movimento é a seguinte: “Implica na escolha da melhor arma disponível para o melhor ângulo disponível, para assegurar o alcance do melhor alvo disponível no menor tempo possível. Qualquer movimento que demore menos tempo para executar, mas ainda causa o efeito pretendido. Qualquer movimento que inibe ou não aumenta ativamente o efeito pretendido é classificado como Movimento Desperdiçado ”.
No entanto, um princípio menos conhecido, mas igualmente importante do American Kenpo é o que Parker chamou de Princípio do Leque Chinês. Este princípio ensina como a reação pode vencer a ação simplesmente movendo o alvo ao invés de bloquear o ataque. Este princípio aproveita o tempo que uma arma leva para atingir seu alvo. Já que o alvo é o último ponto que um oponente deve alcançar, move-lo para fora do caminho primeiro, permite que sua reação vença a ação do seu oponente.
Aqui está uma citação da revista Inside Kung-Fu, de maio de 1990, intitulada The Life and Times of Ed Parker: Parte 2, de Bob Mendel, na qual o Sr. Parker conta uma versão curta da história do leque de 50 centavos:
“Eu uso uma história sobre um homem de negócios que vai a São Francisco comprar para sua filha um leque chinês”, diz ele. “Ela usa o leque somente por um breve momento e ele se quebra. O empresário pega os pedaços e quando ele volta para São Francisco, vai a mesma loja e mostra ao seu dono os pedaços do leque. O dono diz: Quanto você pagou pelo leque? Ele responde 50 centavos. Então, o dono diz: com um leque de 50 centavos, você deve segurar o leque e mover o rosto.”
“Eu digo aos meus alunos que a mão defensiva é um leque de 50 centavos. Se eles moverem seu rosto, eles não serão atingidos. Se eles usarem apenas a mão, eu os atingirei todas as vezes. Então, é o caso de mover o rosto, não o leque. É uma história engraçada e faz com que eles se lembrem disso.“
Embora a definição da Enciclopédia do Kenpo de Economia de Movimento enfatize o ataque e o Princípio do Leque Chinês enfatize a defesa, eles são em essência o mesmo princípio.
Então, por que eu me importo tanto com as manobras de pé na Forma Curta 1? É porque considero que a Economia de Movimento é o princípio que mais define a arte do American Kenpo. Pense no que é verdadeiramente único no Kenpo em comparação com outros sistemas de karate. Todo sistema de karate tem bloqueios, chutes e socos. Todo sistema de Karate rotaciona seus quadris para gerar poder, se move para frente, para trás e para os lados. O que muitos sistemas de Karate ignoram parcial ou completamente é a Economia de Movimento.
Agora, vamos ver como a Economia de Movimento e o Princípio do Leque Chinês se relacionam com a a Forma Curta 1. Se, ao dar um passo para trás, desloco meu pé para trás ou levanto o calcanhar do chão, estou realmente movendo minha cabeça para frente, em direção ao ataque, não para longe dele. Quando eu cubro (cover), se eu girar meu pé traseiro, como um movimento separado, antes de passar minha perna dianteira para o lado oposto, minha cabeça permanece imóvel durante a rotação, ao invés de me mover direta e imediatamente para longe do ataque.
O melhor exemplo é a Forma Curta 1 e cada Forma subsequente é principalmente uma lição sobre manobras dos pés. Se vamos ignorar totalmente a execução adequada das manobras dos pés, por que ensinar as Formas? Sem a execução adequada das manobras dos pés as formas nada mais são do que um conjunto de técnicas feitas em várias direções.
Acho que este seria um bom momento para dizer que não professo ser um mestre nas Formas do Kenpo. Eu não me considero um mestre em nada. No entanto, eu sou um estudante de Kenpo e meu estudo interminável é uma busca para dominar a arte. Tudo o que estou fazendo aqui é compartilhar o que aprendi durante meu estudo. Se alguém vê a lógica no que eu aprendi, bom. Se não, tudo bem.
Estou disposto a compartilhar e discutir meu ponto de vista sobre o Kenpo com todos, mas não estou disposto a argumentar com ninguém pois quase todo argumento se resume a isso: Alguém vem até mim e diz “e o Sr. Famosão?” Ele gira o pé antes de cobrir. Você está dizendo que “ELE” está fazendo errado?
Bem, sim. O método apropriado (e bem documentado) de executar uma cobertura é mover a perna principal para o lado oposto enquanto se volta para aquela direção. Se alguém girar o pé traseiro primeiro, como um movimento separado, está fazendo errado. Ser famoso não faz com que você esteja certo. Se fosse esse o caso, nós simplesmente passaríamos nosso governo para Hollywood e deixaríamos as estrelas de cinema (em toda a sua sabedoria) governarem o país.
Por que eu acredito que os materiais escritos pelo Sr. Parker são a nossa melhor chance de executar o Kenpo Americano corretamente:
Uma das lições mais significativas que tive com Ed Parker não foi realmente uma lição. Ele me ligou e perguntou se eu poderia parar em sua casa, pois ele tinha algo que queria me mostrar. Quando cheguei, ele literalmente tinha sua série de livros Infinite Insights into Kenpo em uma prancheta.
Ele então passou a explicar sua Teia de Conhecimento, me mostrando como ele a usou para reorganizar suas técnicas. Ao longo da conversa, ele me perguntou se eu estaria disposto a parar de ensinar o sistema com 32 Técnicas e usar seu novo sistema de 24 Técnicas. Evidentemente eu disse que sim, pois ele continuou a me contar sobre seus novos livros e planos para o futuro.
Em algum momento, a conversa tomou outro rumo, com o Sr. Parker dizendo que ele havia sonhado que iria morrer. Chocado, perguntei quando ele teve esse sonho. “Cinco anos atrás”, ele disse. Desconcertado, perguntei: “cinco anos atrás”? Ele disse “sim – e uma semana depois meu irmão morreu”.
Fiquei em silencio, apenas olhando para o Sr. Parker esperando que ele continuasse a falar. Ele então disse: “Meu irmão e eu éramos tão próximos que quando eu tive uma premonição de morte, pensei que eu ia morrer, pois não pude separar minha própria morte da do meu irmão”.
Ele então disse que a morte de seu irmão o levou a escrever a série Infinite Insights e atualizar seus manuais. Ele disse que, embora fosse seu irmão que havia morrido, ele ficou com a percepção de que ele também morreria jovem. Ele disse que seus livros e manuais nos deixariam com um guia para seguir adiante em sua ausência.
Foi nesse momento que fiz uma pergunta muito difícil. Eu disse: “Ok, agora que você falou sobre isso, quem ficará no comando do Kenpo quando você se for?” Ele respondeu: “Todos terão uma parte porque ninguém tem tudo“.
Tradução do texto de Rich Hale, presidente da Ohana Kenpo Karate Association